sexta-feira, 13 de março de 2009

ECONOMIA

FINANÇAS

Dá para guardar esse segredo?Suíça, maior paraíso fiscal do mundo, pode estar com os dias contados। E isso afeta milhares de brasileiros, que escondem US$ 70 bilhões nas montanhas geladअस dos AlpesPor Leonardo Attuch
http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/595/artigo127168-1.htm

O OLHAR PLÁCIDO DE um são bernardo, cão tipicamente suíço, já revela sua personalidade. Dócil, leal e vigilante, ele parece incapaz de trair seu dono. Com essas características, a raça conquistou os Alpes suíços e os primeiros registros dos animais vêm de 1707. Mais ou menos na mesma época, uma outra tradição helvética começou a ganhar corpo: a do segredo bancário.
Para proteger as fortunas de antigos senhores feudais, os primeiros banqueiros de Genebra e Zurique começaram a guardar o ouro em autênticas fortalezas escondidas nas montanhas. Com o passar dos anos, os suíços foram aperfeiçoando sua tecnologia de proteção financeira. Criaram as contas numeradas, aquelas em que os nomes dos titulares jamais aparecem, e tornaram indevassáveis, com garantia em lei, as identidades de seus clientes. Com tamanho rigor, criaram um sistema financeiro monumental. Num território minúsculo, guardam depósitos que equivalem a três vezes o PIB do Brasil. Essa construção, que parecia sólida e eterna, começou a ruir. Derrete como se estivesse alicerçada sobre a neve das montanhas, num calor de 40 graus. A avalanche começou há poucos dias quando o UBS, maior banco suíço, fez um acordo com a Justiça dos Estados Unidos, admitindo revelar o nome de 250 clientes que teriam sido ajudados pelo banco a evadir recursos e a sonegar impostos. Na prática, foi como se o são bernardo traísse a sua natureza.
Anistiar ou não?
O combate à evasão e à lavagem de dinheiro no Brasil ganhou força quando o juiz paranaense Sérgio Moro (de óculos) conduziu as primeiras prisões do caso Banestado, revelando a existência de mais de US$ 30 bilhões em depósitos sem origem. No Congresso, o senador Delcídio Amaral (centro) tem um projeto para anistiar aqueles que decidirem repatriar recursos para o País. Ele defende a tese de que muitos só protegeram seu patrimônio numa época em que o Brasil não tinha uma moeda digna. Mas enfrenta a resistência de técnicos do governo, como Antônio Gustavo Rodrigues (na ponta), do Coaf.
Essa decisão só ocorreu porque a economia global mergulhou em tempos estranhos e anormais. Duramente abatido pela crise internacional, que já consumiu mais de US$ 20 bilhões dos seus resultados, o UBS se viu diante de uma encruzilhada: se não fizesse um acordo com o governo americano, que envolveu ainda uma multa de US$ 780 milhões, poderia ficar impossibilitado de operar nos Estados Unidos. Entre a preservação do negócio e a tradição, ficou com a primeira alternativa. Mas a escolha talvez tenha sido precipitada – ao menos para os interesses econômicos da Suíça. Na quarta-feira 25, o presidente do UBS, Marcel Rohner, foi sumariamente demitido. Ele, que resistiu às perdas bilionárias nos balanços, não sobreviveu à quebra da relação de confiança com os clientes. E se os bancos helvéticos já tinham perdido US$ 756 bilhões em depósitos desde o início da crise – na maior parte em saques feitos por correntistas estrangeiros –, a tendência deve se acelerar a partir de agora. “A decisão foi histórica”, comemorou Daniel Lebègue, chefe da seção francesa da Transparência Internacional. “O fato de um banco suíço, número um mundial em gestão de fortunas, ter se rendido, marca uma virada em relação ao combate aos paraísos fiscais.”
É exatamente assim, como um fator de ruptura, que esse caso começou a ser tratado nos quatro cantos do mundo. Nos Estados Unidos, as autoridades agora querem 52 mil nomes. Na Europa, os governos de Angela Merkel, na Alemanha, e Nicolas Sarkozy, na França, pressionam a Suíça a se adaptar às regras financeiras da União Europeia. E a onda também deve chegar ao Brasil. “É um precedente muito importante, que pode acelerar de vez o combate à lavagem de dinheiro no País”, disse à DINHEIRO o juiz federal Sérgio Moro, do Paraná. Foi ele quem esteve à frente do caso Banestado, que revelou a existência de mais de US$ 30 bilhões em recursos não declarados por brasileiros no Exterior. A partir daí, vários doleiros começaram a ser presos e interrogados, levando até à descoberta de alguns nomes de clientes em processos de delação premiada. Depois do caso Banestado, alguns banqueiros suíços, ligados a instituições como UBS, Crédit Suisse e Clariden, foram presos no Brasil nas operações Kaspar I e Kaspar II, da Polícia Federal. Eram acusados de ajudar clientes brasileiros a evadir e a sonegar recursos – o que ficou mais tempo na cadeia foi Luc Marc Depensaz, gerente do UBS, detido por três meses no Brasil. Estimativas não oficiais dão conta de que brasileiros manteriam cerca de US$ 70 bilhões em paraísos fiscais como a Suíça.
ESCÂNDALO DA PASTA DE DENTE: diamantes num dentifrício foram o estopim para a descoberta do caso, que levou à demissão de Marcel Rohner do UBS
Responsável pelas operações Kaspar I e Kaspar II, o delegado federal Ricardo Saadi disse à DINHEIRO, numa entrevista recente, que pretendia incriminar os presidentes mundiais do UBS e do Crédit Suisse. Sua tese: a de que os banqueiros suíços eram, no mínimo, coniventes com o que seus gerentes faziam em países como o Brasil. Segundo ele, não apenas sabiam, como também incentivavam a prática de delitos financeiros. E foi exatamente isso o que se descobriu nos Estados Unidos. De acordo com as autoridades americanas, documentos apreendidos no UBS revelaram que Rohner, o presidente defenestrado na semana passada, tinha pleno conhecimento do que seus subordinados faziam nos EUA. O mais curioso da história é que o estopim do escândalo foi a imagem de um simples tubo de pasta de dente. Tudo aconteceu quando Brad Birkenfield, funcionário do UBS em Genebra, decidiu viajar dos Estados Unidos à Suíça. Ele, que acabara de visitar um cliente na Califórnia, decidiu esconder diamantes num tubo do dentifrício Crest, que foi flagrado pelo raio X. Preso no próprio aeroporto, Birkenfield começou a colaborar com a Justiça americana e entregou todo o esquema do UBS. “O que esses gerentes fazem lá é exatamente o que fazem no Brasil”, diz o juiz Sérgio Moro. “Só que aqui, contam com a ajuda de doleiros.”
Apesar do caso UBS, as autoridades suíças têm prometido resistir. Lá, o segredo bancário é garantido por lei e o Estado pode ser obrigado a indenizar clientes que tenham suas identidades reveladas. Mas o que conta, em casos desse tipo, é a palavra confiança, que pode ter sido quebrada. Brasileiros que mantêm recursos não declarados fora do País estão apreensivos. Para eles, a esperança pode ser um projeto de lei do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que já tramita no Congresso. Seria uma anistia para aqueles que enviaram recursos para fora do País sem declará-los. Nesses casos, contanto que não seja dinheiro de origem criminosa, como tráfico de drogas ou contrabando, o cidadão pagaria 8% para repatriar os recursos, livrando-se de eventuais processos criminais por sonegação fiscal. “Esse é um projeto de cidadania fiscal, que viria em boa hora, pois, em meio a essa crise, o Brasil precisa de mais recursos externos”, disse o senador à DINHEIRO. Delcídio Amaral aponta até uma justificativa moral para a anistia. Muitos dos brasileiros que enviaram recursos para fora o fizeram apenas para proteger o patrimônio, numa época em que o País não tinha uma moeda digna do nome. “Queremos reduzir as pendengas na relação entre a Receita e o contribuinte.” Mas por melhores que sejam suas razões, a tarefa do senador do PT é inglória. Teria antes de vencer a resistência de órgãos do próprio governo, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda, o Coaf. “Uma anistia seria um incentivo errado e reforçaria a sensação de impunidade”, disse à DINHEIRO o presidente do órgão, Antonio Gustavo Rodrigues. “Aqueles que pagaram seus impostos poderão se sentir idiotas.”
Um dogma que já dura 300 anos
O segredo bancário suíço existe desde 1714. Surgiu para guardar com segurança os recursos dos senhores feudais e dos proprietários de terras.
No reinado do rei Luís XVI, o último monarca absolutista francês, que foi guilhotinado em 1793, o ministro das Finanças da França era um banqueiro suíço, chamado Necker.
Em 1931, o ditador Adolf Hitler promulgou uma lei instituindo a pena de morte para todos os cidadãos alemães que mantivessem recursos não declarados fora do país. A Gestapo, sua polícia secreta, conduziu operações de espionagem em Genebra e Zurique.
Em 1934, o sigilo bancário passou a fazer parte do código civil suíço e clientes que tivessem seus nomes revelados por uma instituição financeira passaram a ter direito a indenizações do Estado.
Em 1984, o governo fez um plebiscito para consultar seus cidadãos sobre a conveniência de se manter ou não o segredo bancário. Mais de 73% dos suíços votaram a favor da manutenção.
Em 2008, banqueiros suíços começaram a ser presos no Brasil, em ordens de prisão assinadas pelo juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6a Vara Federal de São Paulo. Eram acusados de ajudar clientes brasileiros a sonegar impostos.
Há poucas semanas, o UBS, maior banco suíço, fez um acordo com autoridades dos Estados Unidos, concordando em abrir as identidades de 250 clientes. A Receita americana pede 52 mil nomes.
Com Denize Bacoccina

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